A mulher no esporte: qual o contexto histórico e social?

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Foto de Jeffrey F Lin na Unsplash

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Analisando o percurso histórico social do futebol e futsal em nosso país, compreendemos que a construção do papel da mulher no esporte é o reflexo da própria sociedade que ela está inserida. Afinal, desde a infância é comum a diferença entre as brincadeiras de meninos e meninas, por exemplo: garotos jogam bola e meninas brincam de “casinha” ou boneca. Não é apenas uma simples afirmação, mas sim entender que as particularidades do gênero humano advêm de um caminho historicamente construído.

A partir desta consciência sobre a historicidade social, vamos relacioná-la com a cultura corporal, tema de estudo da Educação Física. Esta é parte da cultura do homem, é socialmente construída, materializando relações múltiplas nos contextos políticos, filosóficos, competitivos e sociais. Segundo o Coletivo de Autores (p. 130, 2012) “cultura é tudo que o homem faz e produz”. Logo, abordaremos algumas modalidades consideradas fenômenos culturais em nosso país, como o futebol e futsal, analisando as diferenças de gênero. Dessa forma, é necessário compreendermos a autonomia da mulher no esporte, dirigindo equipes ainda muito masculinizadas.

Mulheres treinadoras

Nesse ínterim, ressaltamos que o espaço esportivo consiste na afirmação da identidade masculina, sendo um dos espaços sociais que mais preserva a mesma. Nessa mesma linha, mulheres empoderando-se diante da quebra de paradigmas, impostos por meio do conhecimento científico e liderando equipes esportivas parece uma utopia. Porém, é uma ação afirmativa alcançada por poucas.

O envolvimento da mulher no esporte hegemônico se deu de forma lenta ao longo da sociedade. Nos primeiros conhecimentos históricos, era proibido a participação feminina nos eventos esportivos, inclusive como espectadora. Já no momento seguinte, elas passaram a ser peças importantes nos Jogos Olímpicos modernos, por exemplo.

De acordo com COI (Comitê Olímpico Internacional), dados do ano de 2012 afirmam que a representação das mulheres como competidoras em Jogos Olímpicos se equipara à dos homens. Nesse sentido, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, competiram 4.676 mulheres e 5.892 homens. Na delegação brasileira observou-se também essa tendência de equiparação, visto que, de um total de 259 atletas, 123 (47%) eram mulheres.

Entretanto, cargos de liderança a frente de equipes, seja como treinadoras, coordenadoras, preparadoras e auxiliares técnicas ainda estão abaixo, em comparação com os homens. Assim, um levantamento realizado em 2013, trouxe dados das 259 federações esportivas de 22 modalidades no Brasil. Este estudo apontou que apenas 7% dos técnicos são mulheres. Além disso, do total de federações pesquisadas, 71,4% não possuem mulheres cadastradas como técnicas.

Por que mulheres não se afirmam como treinadoras?

Uma das primeiras razões refere-se às barreiras enfrentadas pelas técnicas. Esta, transparece para as próprias mulheres a percepção de sociedade de que apenas os homens têm capacidade para serem técnicos, atrelando ao aumento das dúvidas sobre a capacidade da mulher, pois é preciso diariamente provar sua competência frente a sua função.

Dificuldade de ascensão

A dificuldade de ascensão na carreira é visível. Isto porque, no contexto nacional, observa-se que a maioria das mulheres se limitam a trabalhar apenas com as escolinhas ou categorias de base. A medida em que avançamos para o alto rendimento, o número de mulheres reduz drasticamente. Dois motivos estão atrelados a este ponto: primeiramente, o domínio masculino que não permitem que a mulher suba de posição, restringindo-as a base da pirâmide (na maioria das vezes); em segundo lugar, a própria mulher acomoda-se, pois quanto mais elevado o nível, maior será a dedicação a vida esportiva. Isto restringiria a vida familiar, cuidado do lar e dos filhos e, desse modo, as mulheres optam pelas bases piramidais.

Aceitação feminina da exclusão

Diante de todas essas razões, nos deparamos com a aceitação feminina da exclusão. Em suma, é possível observar que a maioria acaba se acomodando e interiorizando o domínio masculino. Dessa forma, elas revogam as aventuras de enfrentar os obstáculos, os quais se tornam mais ardiloso do que para os homens. Muitas não conseguem assumir com naturalidade estes costumes sociais impostos desde a infância. Como resultado, acabam admitindo para si “que não vale à pena”, pois a remuneração baixa, falta de reconhecimento e o estresse em comparação a outras profissões desmotivam a caminhada.

Falta de mulher no esporte com perfil para o cargo

Outro ponto importante para ser refletido é a falta de mulheres com perfil para o cargo. É incutido socialmente que a postura firme e o comportamento mais “agressivo” do técnico estejam presente nos treinamentos e partidas oficiais. Entretanto, sabemos que a mulher tem uma sensibilidade e um carisma maior e, por muitas vezes, transparece ao público que a equipe está sem comando. Bourdieu afirma que, para conseguir uma posição, uma mulher teria que possuir não só o que é exigido pela descrição do cargo, como também todo o conjunto de atributos que os ocupantes masculinos atribuem a sua função de treinador, por exemplo: uma voz mais agressiva, segurança e autoridade natural. 

Desistência da carreira

E, por último, a desistência da carreira. Os obstáculos a serem transpostos pelas técnicas são muitos e o caminho é mais “ardiloso”, isto é inegável. A concepção de internalização do domínio masculino acontece justamente por entender que somos o sexo frágil desde a infância, e que futebol e futsal não são lugares para mulher.

A Educação Física e a mulher no esporte

De que forma a educação física escolar pode ser uma ferramenta conscientizadora sobre a ocupação de posições sociais femininas? A prática pedagógica dos professores de educação física pode auxiliar a discussão e embasar cientificamente a relação de gênero nas modalidades, nas quais a prática masculina é mais evidente e vice-versa. Trabalho teórico, atividades práticas com o grande grupo, discussão de artigos e construção interdisciplinar com outras áreas (história, por exemplo) são amostras da vasta gama de formas que o tema pode ser abordado.

Em conclusão, o trato metodológico, quando bem organizado, pautado no princípio de confronto, contraposição de saberes e com uma contemporaneidade de conteúdo, facilitam a apropriação do conhecimento e a compreensão dos alunos enquanto sujeitos históricos. Afinal, eles começam a interpretar a realidade social e cultural. Ou seja, não é do nada que há um número minúsculo de mulheres no esporte liderando equipes masculinizadas. Há muitas razões entrelaçadas com a organização histórica da sociedade.

Contato da Autora:
Instagram: @Torettifaveri

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Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.