O trabalho do treinador de futebol e a influência da paisagem social

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Imagem por Dimitris Vetsikas por Pixabay

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O futebol possui fatores sociais que influenciam o trabalho dos profissionais envolvidos de acordo com cada ambiente. Desta forma, o sucesso do trabalho do treinador de futebol não depende só de saber sobre tática e treinamento, mas também de instigar os atletas, gerir conflitos e lidar com dirigentes e torcedores.

No entanto, a maioria dos treinadores foca exclusivamente em conteúdos de treino e, às vezes, são incapazes de interpretar a paisagem social em que está inserido.

A paisagem social se refere à cultura dominante do local, os bons e maus comportamentos dos profissionais ao lado, os indivíduos mais influentes do grupo, o tipo de poder utilizado, etc. Portanto, além de auxiliar a habituação no trabalho do treinador de futebol, a boa interpretação da paisagem social ajuda a controlar diversos fatores e acelera o processo de adaptação ao modelo de jogo.

Diante disso, a leitura da paisagem social apresenta algumas características, como:

  1. Conhecimento da micropolítica;
  2. Liderança;
  3. Estratégias para gerir conflitos.

Conhecimento da Micropolítica

Segundo o livro: The Politics of Life in Schools: Power, Conflict, and Cooperation, a micropolítica diz respeito ao uso do poder formal e informal pelos indivíduos ou grupos para alcançar os seus objetivos nas organizações, ou seja, como a pessoa utilizará o poder para se proteger e para influenciar os outros.

Além disso, investigadores observaram os comportamentos dos treinadores na Liga Inglesa de Futebol durante o treino, e identificaram o uso de três categorias de poder: legítimo, informacional e expert.

  • Legítimo: permite tomar decisões pela posição que possui na organização social;
  • Informacional: é determinado pela argumentação que a pessoa apresenta, de modo a influenciar uma mudança no comportamento;
  • Expert: é exposto através do acúmulo de aprendizados, demonstrando todo o seu conhecimento e experiência;

Para os treinadores de elite, o poder não funciona apenas para aumentar a autoconfiança dos atletas, mas também para reforçar os comportamentos desejados pelos jogadores. Mas, lembre-se que o poder não depende apenas da hierarquia, logo, pode ser exercido por indivíduos situados em escalões menores, desde que saibam ser líderes.

Liderança

A liderança no esporte engloba várias dimensões, tais como: tomada de decisão, feedbacks, relações interpessoais e administração da equipe. No futebol, os atletas podem ser influenciados pelo treinador, sendo possível citar algumas referências quando o assunto é liderança: Tite, José Mourinho e Carlo Ancelotti. Mas, antes de adquirirem esta virtude, foram obrigados a desenvolvê-la a partir dos conflitos experienciados, dado que são inevitáveis em organizações sociais.

As pessoas discordam devido aos objetivos incompatíveis, interpretações diferentes e/ou possuírem valores opostos. Muitos estudiosos encaram o conflito como uma realidade necessária para o desenvolvimento pessoal.

Sendo assim, é fundamental saber geri-los de forma que ambas as partes sejam avaliadas e dialoguem, tornando isso em algo construtivista.

Estratégias para gerir conflitos

Treinadores de topo utilizam estratégias de persuasão e manipulação de circunstâncias para obter o resultado pretendido. Por exemplo, a série “The Playbook” expôs uma estratégia utilizada pelo técnico da renomada tenista Serena Williams.

O episódio narra as inúmeras falhas de Serena durante o jogo. Sabendo disso, o treinador Patrick Mouratoglou decidiu iludi-la apresentando um percentual grande de acertos para promover autoconfiança na atleta. Como resultado, Serena passou a ter sucesso na maioria das ações e, consequentemente, garantiu a sua vitória.

Para mais, uma pesquisa retratou uma estratégia vinda de um treinador de futebol, visando afastar um jogador da equipe que criava problemas indisciplinares. Diante disso, o treinador criou situações comprometedoras, as quais levaram o jogador a pedir transferência para outro clube.

Estas atividades intituladas “white lies” (mentiras bondosas) não devem ser consideradas ações condenáveis, mas sim estratégias para lidar com o contexto social. A finalidade é ganhar o grupo, convencer a comissão técnica e desenvolver o modelo de jogo. Assim, o trabalho do treinador de futebol poderia ter sido afetado pelo jogador indisciplinado, caso ele não tivesse interpretado a paisagem social.

O trabalho do treinador de futebol: boa e má leitura da paisagem social

O autor da obra Guardiola Confidencial, Marti Perarnau, narra uma situação em que Guardiola realiza a boa leitura da paisagem social e apresenta o conhecimento das micropolíticas.

Na época, Rooben e Ribery (líderes do elenco) gostavam do treino isolado sem bola, mas o técnico não era adepto ao método. Em seguida, após vetar esse tipo de treinamento, houve desgastes internos no elenco e, por sua vez, Guardiola cedeu uma das suas ideias para se adaptar ao contexto dos jogadores.

Portanto, é necessário reconhecer os atletas mais influentes do grupo e aqueles que tem um maior poder nas relações sociais. Estes são personagens que podem comprometer os objetivos do programa através do seu alto engajamento no grupo.

Em contrapartida, há treinadores que apresentam uma péssima interpretação da paisagem social. Por exemplo, quando o recém-contratado busca mudar rapidamente o contexto do clube, desmerecendo as relações de poder já existentes nele. Em outras palavras, pede inúmeros reforços para o plantel e, consequentemente, não demonstra confiança nos jogadores chaves da equipe.

Considerando os exemplos mencionados, o entendimento da paisagem social revela ser determinante para o rápido controle do ambiente. A leitura da paisagem social é um processo, não uma fórmula. A previsibilidade leva ao dogmatismo, de modo que resulta no insucesso do treinador inserido em um esporte imprevisível e complexo.

Fonte e Referências

https://www.researchgate.net/publication/233644130_’It’s_All_About_Getting_Respect’_
https://sigarra.up.pt/fadeup/pt/pub_geral.pub_view?pi_pub_base_id=162464

https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/00336297.2009.10483612

https://www.editorarh.pt/manual-de-comportamento-organizacional-e-gestao-6a-edicao

Contato do autor:
Instagram: g_tadashi

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https://youtu.be/ACQmmyHdYhU
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João Bonfatti

João Bonfatti atualmente trabalha como Coordenador do setor de Análise de Desempenho no América-MG. Antes disso, teve passagens pelo Vasco da Gama, onde atuou em diferentes categorias: foi auxiliar técnico do Sub-20, treinador interino do Sub-17 e auxiliar técnico do Sub-17.

Atuou também pelo Atlético-MG, onde desempenhou o papel de auxiliar técnico do Sub-15. No Corinthians, auxiliar técnico do Sub-14, além de exercer a função de supervisor metodológico.

Sua formação inclui o Bacharelado em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa e a Licença B da CBF Academy, o que reforça sua base teórica e prática no desenvolvimento de atletas.

Felipe Bonholi

Felipe Bonholi integra a equipe do Palmeiras como Analista de Desempenho no Centro de Formação de Atletas (CFA), contribuindo para o desenvolvimento e acompanhamento de jovens talentos.

Antes disso, acumulou cinco anos de experiência na Ferroviária, onde atuou como Analista de Desempenho da equipe profissional, e no São Carlos Futebol Clube na mesma função.

Sua formação acadêmica inclui Bacharelado em Administração de Empresas pela UNIARA (2014–2017) e graduação em andamento em Educação Física pela mesma instituição, iniciada em 2019.

Com sólida base teórica e ampla experiência prática, Felipe Bonholi se destaca por sua capacidade de integrar análise técnica, gestão e visão estratégica no contexto esportivo, contribuindo para o desempenho e evolução de atletas e equipes.

Mylena Baransk

Mylena Baransk é doutora em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também concluiu sua graduação em Educação Física – Bacharelado. Especialista em futsal com foco em análise de desempenho, atuou como docente em cursos do ensino superior e analista de desempenho no futebol.

Atualmente, exerce a função de analista de desempenho no Clube Atlético Mineiro, onde trabalha desde agosto de 2024. Antes disso, desempenhou a mesma função na Associação Ferroviária de Esportes entre março e agosto de 2024, atuando em Araraquara, São Paulo.

Além da atuação em clubes, possui experiência acadêmica como docente, tendo lecionado na UniCesumar entre julho e outubro de 2023, em Curitiba, Paraná. Também foi professora na UNIFATEB, onde atuou por quase três anos, de fevereiro de 2021 a outubro de 2023, em Telêmaco Borba, Paraná.

Com forte presença na área de análise de desempenho no futebol, também é CEO da Statisticsfut, onde se dedica ao desenvolvimento de conteúdos e estratégias voltadas à análise estatística e desempenho esportivo.

Nathália Arnosti

Nathália Arnosti é uma profissional de destaque na área de Fisiologia do Esporte e Preparação Física, com sólida formação acadêmica e ampla experiência no futebol brasileiro.

Bacharel e mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela construiu uma carreira marcada pela integração entre ciência e prática esportiva.

No cenário dos clubes, já contribuiu com equipes como Athletico Paranaense, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Audax, Ferroviária e Ponte Preta. Em janeiro de 2024, assumiu o cargo de fisiologista do Cruzeiro, reforçando seu papel como referência no acompanhamento e otimização do desempenho esportivo.

Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.