O desempenho físico no futebol muda conforme o estilo de jogo?

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Foto de Jeffrey F Lin na Unsplash

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Como visto no texto anterior sobre as demandas físicas e fisiológicas, o jogo de futebol vem se tornando mais intenso com o passar dos anos, requerendo um melhor desempenho físico dos jogadores. Nesse sentido, um estudo realizado por pesquisadores europeus em 2015, aponta um crescimento de 30% a 50% nas ações de alta intensidade entre as temporadas 2006-2007 e 2012-2013 da Premier Legue.

Contudo, devemos compreender a natureza complexa e dinâmica do futebol, ou seja, as vertentes do jogo (técnica, tática, física e psicológica) estão correlacionadas e devem ser analisadas de uma forma sistêmica. Portanto, alguns fatores como a velocidade, distância percorrida e manutenção da posse de bola são relevantes para entendermos a intensidade e desempenho físico no futebol.

Desempenho físico no futebol: o impacto da posse de bola

Primeiramente, sabemos que ter somente a posse de bola não demonstra o modelo de jogo de uma equipe. Entretanto, jogar com ou sem a posse de bola faz parte da ideia de jogo do treinador e do modelo de jogo do clube. De modo geral, em uma visão sistêmica, estudos demonstraram que a posse de bola tem uma relação importante nas variáveis físicas e técnicas dos jogadores.

Um estudo publicado em 2019, ao analisar jogos da copa do mundo de 2018, por exemplo, concluiu que as seleções caracterizadas com jogo de maior posse de bola apresentaram maiores distâncias percorridas em alta intensidade e sprints, em comparação às seleções caracterizadas com jogo direto (menos posse de bola). Indicando, deste modo, uma relação entre fatores táticos e físicos, mais especificamente entre o percentual de posse de bola e a demanda física.

Em outros estudos, equipes com maior posse de bola percorreram maior distância em alta intensidade na fase ofensiva. Em contrapartida, as equipes que apresentam um jogo “reativo” percorrem maiores distâncias em alta intensidade quando se encontram em fase defensiva. Veja os dados na figura abaixo.

Figura 1. Em preto é a % com posse de bola/ Em branco a % sem posse de bola / WP= distância percorrida com posse / WOP= distância percorrida sem posse / BOP= fora de jogo Fonte: (Artigo publicado em 2016).

Assim, percebemos pelo gráfico que a distância total, distância em baixa velocidade (low speed), distância em média velocidade (medium speed) e distância em alta velocidade (high speed) não sofreram grandes alterações decorrentes do fator de posse ou não da bola. Todavia, as equipes com maior porcentagem de posse de bola (barras pretas), percorreram uma maior distância quando de posse da bola (WP). O contrário acontece com as equipes com menor percentual de posse de bola (barras brancas/WOP).

Posição e desempenho físico

Conforme vimos até aqui, a manutenção ou não da posse de bola pode influenciar as demandas físicas e fisiológicas dos jogadores. Assim, essa diferença, talvez seja em consequência, principalmente, das distintas posições e funções táticas exercidas pelos jogadores em campo.

Dessa forma, para entendermos melhor como os indicadores físicos por posição são influenciados pela posse ou não da bola, os estudos que citamos também mostraram dados interessantes. Foi constatado, por exemplo, que meio-campistas e atacantes apresentam uma demanda física maior quando a equipe joga com menos posse de bola. Esse resultado provavelmente ocorre pelo fato deles precisarem fechar espaços e pressionar opositores, de modo a recuperar a bola.

Por outro lado, um efeito contrário foi encontrado nos zagueiros. Nos zagueiros foi identificado uma maior porcentagem de corridas de alta intensidade nas equipes com maior posse de bola durante a fase ofensiva, pois há uma tendência destes jogadores permanecerem mais parte do tempo ocupando a metade ofensiva do campo, auxiliando na circulação da bola, conforme consta o gráfico na figura abaixo.

Figura 2. Comportamento dos zagueiros. Barra preta é a % com posse de bola / Barra branca é a % sem posse de bola. Fonte: (Artigo publicado em 2016).

A imagem acima mostra o percentual do tempo gasto dos zagueiros na metade ofensiva do campo de jogo. Desta forma, fica nítido perceber que os zagueiros pertencentes as equipes com maior posse de bola (barras pretas) se dispõem no campo ofensivo durante grande parte do tempo de jogo. Em outras palavras, há uma tendência destes jogadores executarem uma maior porcentagem de ações de alta intensidade em equipes com maior percentual de posse de bola.

Posse da bola x demanda física

Portanto, os estudos aparentam uma congruência, indicando que equipes com maior percentual de posse de bola executam maiores números de ações de alta intensidade, quando de posse da mesma. Além disso, mostram uma forte relação entre diferentes posições x estilos de jogo e a demanda física.

Entretanto, a ênfase ou não na posse de bola não parece influenciar significativamente nas demandas físicas gerais das equipes. Deste modo, fica a sugestão para mais trabalhos neste sentido, analisando a natureza complexa e dinâmica do futebol, a fim de procurarmos entender melhor como as vertentes se correlacionam e influenciam na performance durante o jogo.

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Fontes e Referências

https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02640414.2013.786185

https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02640414.2015.1114660

Contato do autor:
Instagram: endrigo_f
E-mail: endrigof1@gmail.com

Confira abaixo um episódio em nosso Podcast sobre o assunto:

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João Bonfatti

João Bonfatti atualmente trabalha como Coordenador do setor de Análise de Desempenho no América-MG. Antes disso, teve passagens pelo Vasco da Gama, onde atuou em diferentes categorias: foi auxiliar técnico do Sub-20, treinador interino do Sub-17 e auxiliar técnico do Sub-17.

Atuou também pelo Atlético-MG, onde desempenhou o papel de auxiliar técnico do Sub-15. No Corinthians, auxiliar técnico do Sub-14, além de exercer a função de supervisor metodológico.

Sua formação inclui o Bacharelado em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa e a Licença B da CBF Academy, o que reforça sua base teórica e prática no desenvolvimento de atletas.

Felipe Bonholi

Felipe Bonholi integra a equipe do Palmeiras como Analista de Desempenho no Centro de Formação de Atletas (CFA), contribuindo para o desenvolvimento e acompanhamento de jovens talentos.

Antes disso, acumulou cinco anos de experiência na Ferroviária, onde atuou como Analista de Desempenho da equipe profissional, e no São Carlos Futebol Clube na mesma função.

Sua formação acadêmica inclui Bacharelado em Administração de Empresas pela UNIARA (2014–2017) e graduação em andamento em Educação Física pela mesma instituição, iniciada em 2019.

Com sólida base teórica e ampla experiência prática, Felipe Bonholi se destaca por sua capacidade de integrar análise técnica, gestão e visão estratégica no contexto esportivo, contribuindo para o desempenho e evolução de atletas e equipes.

Mylena Baransk

Mylena Baransk é doutora em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também concluiu sua graduação em Educação Física – Bacharelado. Especialista em futsal com foco em análise de desempenho, atuou como docente em cursos do ensino superior e analista de desempenho no futebol.

Atualmente, exerce a função de analista de desempenho no Clube Atlético Mineiro, onde trabalha desde agosto de 2024. Antes disso, desempenhou a mesma função na Associação Ferroviária de Esportes entre março e agosto de 2024, atuando em Araraquara, São Paulo.

Além da atuação em clubes, possui experiência acadêmica como docente, tendo lecionado na UniCesumar entre julho e outubro de 2023, em Curitiba, Paraná. Também foi professora na UNIFATEB, onde atuou por quase três anos, de fevereiro de 2021 a outubro de 2023, em Telêmaco Borba, Paraná.

Com forte presença na área de análise de desempenho no futebol, também é CEO da Statisticsfut, onde se dedica ao desenvolvimento de conteúdos e estratégias voltadas à análise estatística e desempenho esportivo.

Nathália Arnosti

Nathália Arnosti é uma profissional de destaque na área de Fisiologia do Esporte e Preparação Física, com sólida formação acadêmica e ampla experiência no futebol brasileiro.

Bacharel e mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela construiu uma carreira marcada pela integração entre ciência e prática esportiva.

No cenário dos clubes, já contribuiu com equipes como Athletico Paranaense, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Audax, Ferroviária e Ponte Preta. Em janeiro de 2024, assumiu o cargo de fisiologista do Cruzeiro, reforçando seu papel como referência no acompanhamento e otimização do desempenho esportivo.

Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.