O que é Periodização Tática?

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Foto de Kampus Production/Pexels

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A Periodização Tática é uma metodologia de treinamento no qual a vertente tática é norteadora de todo o processo de treino. Neste texto, explicaremos a história da periodização do treinamento no futebol, e iremos contextualizar os princípios e pressupostos que norteiam a Periodização Tática.

O que é Periodização?

Inicialmente, até chegarmos à Periodização Tática, é interessante entendermos o que é, e qual a história da periodização no treinamento esportivo. Segundo o artigo Adequabilidade dos principais modelos de periodização do treinamento esportivo, periodização é o planejamento geral e detalhado do tempo disponível para o treinamento, conforme os objetivos intermediários e perfeitamente estabelecidos, respeitando-se os princípios científicos do treinamento desportivo. Ou seja, periodizar seria usar o treino para chegar a objetivos de performance em períodos pré-estabelecidos.

Entretanto, devemos compreender que a periodização do treinamento esportivo advém desde a metade do século passado. Conforme o artigo Análise de modelos de periodização para o futebol, o primeiro método de periodização de treinamento foi criado nos anos 1950, por Matveev. Ele baseava-se no aumento gradual de cargas, dividido em microciclos, mesociclos e macrociclos. Além disso, o foco desse método não era o futebol, e sim, o treinamento em esportes individuais, como natação, levantamento de peso e atletismo. Com o passar dos anos, surgiram outras metodologias aplicadas ao treinamento esportivo, como Sinos Estruturais e Modelo Bompa, que formaram os denominados Modelos Tradicionais.

Em seguida, os treinamentos denominados de Modelos contemporâneos ficaram mais em evidência: como o Sistema de Treinamento em Blocos e o Modelo de Cargas Seletivas. E, em razão disso, muitos treinadores e preparadores físicos utilizaram dos preceitos dessas metodologias (ou parte delas) durante os treinamentos específicos para o futebol. Porém, ainda havia uma inquietação por parte dos profissionais do futebol em aplicar uma metodologia de periodização que fosse mais específica para atender as necessidades do futebol. Dessa forma, surge uma nova proposta de periodização, a Periodização Tática, desenvolvida pelo professor português Vítor Frade.

A Periodização Tática

Estudioso do futebol, o professor Vítor Frade sempre dedicou seus estudos e ensinamentos na compreensão da melhor maneira de conciliar a teoria e a prática e, dessa forma, propôs, há mais de 30 anos, uma nova metodologia de treinamento para o futebol, denominada Periodização Tática. Essa nova metodologia, ainda hoje em voga, tem como preceito o modelo de jogo do treinador e da equipe, a especificidade da modalidade e a tática como guia e orientadora do processo de treinamento.

Na periodização tática, diferentemente das periodizações tradicionais, a periodização baseia-se em intervalos de tempos mais curtos, e representa o intervalo de uma semana ou o distanciamento entre dois jogos; termo esse denominado de Morfociclo. Por isso, para chegar aos objetivos propostos, a periodização tática utiliza como base o morfociclo padrão de treinamento.

O que é Morfociclo?

O morfociclo padrão de treinamento ocorre entre um jogo e outro, o que, normalmente, é de domingo a domingo (pelo menos na maior parte do calendário europeu). E varia conforme cada calendário do futebol, sendo aplicado também, por exemplo, em jogos domingo-quarta-domingo (como o calendário brasileiro). A ideia do morfociclo padrão é aplicar estímulos diferentes a cada dia da semana, de acordo com: o jogo anterior, com as características do adversário e o modelo de jogo da equipe, respeitando os princípios balizadores específicos da Periodização Tática. Em suma, isso deixaria o atleta em um alto nível de desempenho em todas as partidas da temporada, e não com picos de rendimento.

Veja na imagem abaixo, um exemplo da divisão do que seria priorizado a cada sessão de treinamento. Perceba que há uma variação entre tensão, duração e intensidade a cada dia, o que permite mudarmos as valências treinadas.

Fonte: (Morfociclo padrão desenvolvido por Mourinho, retirado do livro “O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Tática”)

Além disso, a primeira questão que o treinador precisa desenvolver para aplicar a Periodização Tática em sua equipe é compreender quais são os princípios e pressupostos que norteiam essa metodologia.

Princípios da Periodização Tática

Antes de tudo, a especificidade surge como o supraprincípio da Periodização Tática. Sem ela, nada faz sentido. Isso quer dizer que os treinos devem sempre ter uma razão, um porquê, sempre com a lógica voltada para o Modelo de Jogo do treinador e da equipe. Assim, balizado por esse supraprincípio, temos o: Princípio da Progressão Complexa, o Princípio das Propensões e o Princípio da Alternância Horizontal em Especificidade. Vamos entender cada um deles.

  • Princípio da Progressão Complexa

Este princípio garante a existência de uma hierarquia das ideias de jogo do treinador, evoluindo do menos complexo para o mais complexo. Por exemplo, se um treinador busca obter um jogo apoiado na organização ofensiva (macroprincípio), ele precisa que o time crie no mínimo 3 linhas de passe (mesoprincípio) e que o passe seja preciso e firme/tenso (microprincípio).

  • Princípio das Propensões

O Princípio das Propensões assegurará que os jogadores realizem e sejam expostos a situações relacionadas a modelo de jogo do treinador. Através de exercitações no contexto de jogo que estimulem as repetições, o treinador poderá desenvolver bons hábitos nos atletas. Para exemplificar, vamos dizer que o treinador queira que sua equipe faça pressão pós-perda. Para que isso ocorra, ele cria atividades no treinamento durante a semana, onde, sempre que algum jogador recuperar a bola exercendo a pressão pós-perda, ele ganha 1 ponto. Isso estimulará o jogador a buscar esta ação mais e mais vezes. E, como é da natureza humana, o jogador tentará executar essa ação no jogo, pois vivenciou este estímulo com sucesso anteriormente no treinamento.

  • Princípio da Alternância Horizontal em Especificidade

O pressuposto deste princípio é certificar-se de que exista a alternância e a variação na predominância dos estímulos ao longo do morfociclo. É sempre interessante respeitar o binômio desempenho x recuperação, por exemplo, para que os jogadores tenham um ganho de desempenho em todas as vertentes (físicas, técnicas e cognitivas) necessárias e, também, visem uma boa recuperação até o próximo jogo.

Mourinho, no livro supracitado,  diz: “Eu não quero que a minha equipa tenha picos de forma… Não posso querer que a minha equipa oscile de desempenho! Quero sim que esta se mantenha sempre em patamares de rentabilidade elevados. Porque não há jogos ou períodos mais importantes que outros. Todos os jogos são para ganhar.”

Intensidade Máxima e Divina Proporção na Periodização Tática

Todos os princípios da Periodização Tática devem ser alicerçados pela Intensidade Máxima Relativa e pela Divina Proporção. A intensidade máxima relativa é necessária para que em cada sessão de treino haja uma entrega máxima dos jogadores, tanto física quanto mental. Mas, para não deixar que os jogadores se extenuem ao ponto de chegarem fadigados no jogo, é necessário controlar o volume de cada sessão, para garantir um treino intenso e que faça o jogador estar em condições aptas para a próxima partida.

Além disso, a divina proporção significa que o treinador deve saber adaptar o treinamento ao contexto ao qual ele está inserido. É sobre ter o feeling do treino, da situação dos jogadores e do desgaste sentido. Em entrevista, Frade diz “Eu estive 28 anos seguidos a dar treinos e nunca usei um cronômetro!”. Talvez esta seja a melhor explicação sobre a divina proporção.

Nessa primeira parte, buscamos entender um pouco do histórico e dos princípios que norteiam a Periodização Tática. Essa metodologia é ampla e seria praticamente impossível apresentar tudo apenas neste texto. Acompanhe nossos próximos artigos para entender mais sobre a natureza fractal, o modelo de jogos e os princípios táticos de jogo.

Autores

Chrístopher Kilpp Suhre – Instagram: @Christopher_Suhre
Roberto Augusto Lazzarotto Pereira – Instagram: @ralazzarottop

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João Bonfatti

João Bonfatti atualmente trabalha como Coordenador do setor de Análise de Desempenho no América-MG. Antes disso, teve passagens pelo Vasco da Gama, onde atuou em diferentes categorias: foi auxiliar técnico do Sub-20, treinador interino do Sub-17 e auxiliar técnico do Sub-17.

Atuou também pelo Atlético-MG, onde desempenhou o papel de auxiliar técnico do Sub-15. No Corinthians, auxiliar técnico do Sub-14, além de exercer a função de supervisor metodológico.

Sua formação inclui o Bacharelado em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa e a Licença B da CBF Academy, o que reforça sua base teórica e prática no desenvolvimento de atletas.

Felipe Bonholi

Felipe Bonholi integra a equipe do Palmeiras como Analista de Desempenho no Centro de Formação de Atletas (CFA), contribuindo para o desenvolvimento e acompanhamento de jovens talentos.

Antes disso, acumulou cinco anos de experiência na Ferroviária, onde atuou como Analista de Desempenho da equipe profissional, e no São Carlos Futebol Clube na mesma função.

Sua formação acadêmica inclui Bacharelado em Administração de Empresas pela UNIARA (2014–2017) e graduação em andamento em Educação Física pela mesma instituição, iniciada em 2019.

Com sólida base teórica e ampla experiência prática, Felipe Bonholi se destaca por sua capacidade de integrar análise técnica, gestão e visão estratégica no contexto esportivo, contribuindo para o desempenho e evolução de atletas e equipes.

Mylena Baransk

Mylena Baransk é doutora em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também concluiu sua graduação em Educação Física – Bacharelado. Especialista em futsal com foco em análise de desempenho, atuou como docente em cursos do ensino superior e analista de desempenho no futebol.

Atualmente, exerce a função de analista de desempenho no Clube Atlético Mineiro, onde trabalha desde agosto de 2024. Antes disso, desempenhou a mesma função na Associação Ferroviária de Esportes entre março e agosto de 2024, atuando em Araraquara, São Paulo.

Além da atuação em clubes, possui experiência acadêmica como docente, tendo lecionado na UniCesumar entre julho e outubro de 2023, em Curitiba, Paraná. Também foi professora na UNIFATEB, onde atuou por quase três anos, de fevereiro de 2021 a outubro de 2023, em Telêmaco Borba, Paraná.

Com forte presença na área de análise de desempenho no futebol, também é CEO da Statisticsfut, onde se dedica ao desenvolvimento de conteúdos e estratégias voltadas à análise estatística e desempenho esportivo.

Nathália Arnosti

Nathália Arnosti é uma profissional de destaque na área de Fisiologia do Esporte e Preparação Física, com sólida formação acadêmica e ampla experiência no futebol brasileiro.

Bacharel e mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela construiu uma carreira marcada pela integração entre ciência e prática esportiva.

No cenário dos clubes, já contribuiu com equipes como Athletico Paranaense, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Audax, Ferroviária e Ponte Preta. Em janeiro de 2024, assumiu o cargo de fisiologista do Cruzeiro, reforçando seu papel como referência no acompanhamento e otimização do desempenho esportivo.

Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.