A Teoria dos Sistemas e a troca “seis por meia dúzia” no Futebol

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Foto de Lucas Andrade na Unsplash

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Quem nunca ouviu ou leu a frase “trocou seis por meia dúzia”? Como você bem sabe, isso quer dizer que a substituição não surtiu efeito, pois trocou jogadores que atuam na mesma posição. Ok, mas e o que isso tem a ver com a Teoria dos Sistemas no Futebol?

Primeiramente, para falar sobre esse equívoco amplamente difundido, começamos por um conceito de Sistema e também, na sequência, abordaremos a Teoria dos Sistemas. Mas, antes disso, pense consigo mesmo: podemos rotular dois jogadores, apenas por jogarem na mesma posição e ocuparem, em tese, o mesmo espaço em campo?

O que é um sistema?

De acordo com Rodrigo Leitão, em sua Tese de Doutorado, “um sistema, é um conjunto de variáveis que se relacionam, onde todos os seus elementos assumem graus de importância, influenciando e sendo influenciados”. Então, em outras palavras, um sistema é um conjunto de elementos que interagem entre si e, a partir destas interações, formam o “todo”.

Teoria dos Sistemas

Para falar de forma clara sobre a Teoria dos Sistemas, é necessário apresentar um trecho de Edgar Morin e Jean-Louis Le Moigne:

“A teoria dos sistemas lança igualmente as bases de um pensamento de organização. A primeira lição sistêmica é que ‘o todo é mais do que a soma das partes’. Isso significa que existem qualidades emergentes que nascem da organização de um todo e que podem retroagir às partes. Assim, a água tem qualidades emergentes com relação ao hidrogênio e ao oxigênio que a constituem. Acrescento que o todo é igualmente menos do que a soma das partes. Uma vez que as partes podem ter qualidades que são inibidas pela organização do conjunto.”

De forma simples, vamos entender que para compreendermos que na Teoria dos Sistemas “o todo é formado a partir da interação de suas partes”. Logo, descrevê-lo a partir do entendimento de suas partes isoladamente, é impossível (Reducionismo). Assim como também não é possível entendê-lo desconsiderando estas partes (Holismo). Do todo às partes, das partes ao todo.

Implicações coletivas e individuais

Partindo do trecho de Morin e Le Moigne, citado acima, podemos traçar paralelos para o fracasso ou sucesso de times e jogadores. Sendo assim, vamos dissecar suas implicações em cada uma delas:

  • Coletivamente, temos que um conjunto de craques não faz, necessariamente, um grande time, sendo o contrário também um fato. Ou seja, a soma das partes pode ser menor ou maior que o todo, devido a todas as interações que influenciam no desempenho dos atletas. Dito isto,  Valeriy Lobanovskiy, histórico treinador Ucraniano, em trecho apresentado no livro “A Pirâmide Invertida”, fala sobre querer um “time-estrela” e não um “time de estrelas”, ressaltando sua visão do coletivo em detrimento do individualismo;
  • Individualmente, temos que um jogador pode ter suas características potencializadas ou reprimidas pelo modelo de jogo do seu time. Então, um jogador comum, pode se transformar em craque em determinado time e contexto, assim como o inverso também é verdadeiro.

Citar a influência do contexto é importante para completar o raciocínio. Então, os jogadores não interagem apenas uns com os outros, mas também com todo o ambiente (campo, regras impostas pelo jogo, clima, torcedores, etc.).

Seis por meia dúzia?

Quando o treinador faz uma substituição entre atletas da mesma posição, se ouve essa conhecida frase. Mas, e aí, após ler tudo que já foi escrito aqui, você concorda com isso? Vamos adiante.

O time como um sistema

Leon Teodorescu, um dos grandes estudiosos dos Jogos Desportivos Coletivos, foi um dos primeiros a tratar uma equipe como um sistema. Em trecho presente na publicação “Abordagem sistêmica do jogo de futebol: Moda ou necessidade”, dos professores Júlio Garganta e Jean Francis Gréhaigne, Teodorescu cita que:

“A equipe é um sistema, uma vez que as ações dos jogadores são integradas numa determinada estrutura, segundo um determinado modelo, de acordo com certos princípios e regras.”

Desta forma, forma-se uma equipe a partir da interação entre os jogadores. E as ideias de jogo do treinador moldarão as interações.

Cabe ressaltar que já nos anos 70, o treinador Lobanovskiy, mencionado acima, já tinha a ideia de que as equipes são sistemas.

Seis por meia dúzia? Não no sistema equipe!

Sabendo que o time é um sistema e os jogadores, elementos deste sistema, interagem uns com os outros a todo o momento, de diferentes formas e em diferentes setores, será que é possível existir a substituição “seis por meia dúzia”? Os jogadores são pessoas, assim sendo, são únicos e, como únicos que são, também interagem com os demais elementos da equipe de forma única. Então, ao substituir um jogador por outro, você está também modificando as interações existentes no sistema equipe, e, por consequência, alterando o próprio sistema.

Para concluir, as substituições não alteram apenas jogadores, mas sim todas interações existentes dentro do sistema equipe. Logo, altera o próprio sistema, então não, não existe a substituição seis por meia dúzia.

Sabe o Futebol? Ele é complexo. Então, por favor, não seja superficial em suas análises.

Reflita com a analogia feita pelos Professores Israel Teoldo, José Guilherme e Júlio Garganta, no livro “Para um Futebol Jogado com Ideias”: Como o sistema cardiovascular reage a um coração transplantado? Quais são as implicações deste transplante neste sistema? Agora, pergunte para si mesmo, será que no sistema equipe é tudo tão simples, é “seis por meia dúzia”?

Contato do autor – Instagram: @ralazzarottop

Confira um episódio do Podcast Ciência da Bola que fala sobre o assunto:

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João Bonfatti

João Bonfatti atualmente trabalha como Coordenador do setor de Análise de Desempenho no América-MG. Antes disso, teve passagens pelo Vasco da Gama, onde atuou em diferentes categorias: foi auxiliar técnico do Sub-20, treinador interino do Sub-17 e auxiliar técnico do Sub-17.

Atuou também pelo Atlético-MG, onde desempenhou o papel de auxiliar técnico do Sub-15. No Corinthians, auxiliar técnico do Sub-14, além de exercer a função de supervisor metodológico.

Sua formação inclui o Bacharelado em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa e a Licença B da CBF Academy, o que reforça sua base teórica e prática no desenvolvimento de atletas.

Felipe Bonholi

Felipe Bonholi integra a equipe do Palmeiras como Analista de Desempenho no Centro de Formação de Atletas (CFA), contribuindo para o desenvolvimento e acompanhamento de jovens talentos.

Antes disso, acumulou cinco anos de experiência na Ferroviária, onde atuou como Analista de Desempenho da equipe profissional, e no São Carlos Futebol Clube na mesma função.

Sua formação acadêmica inclui Bacharelado em Administração de Empresas pela UNIARA (2014–2017) e graduação em andamento em Educação Física pela mesma instituição, iniciada em 2019.

Com sólida base teórica e ampla experiência prática, Felipe Bonholi se destaca por sua capacidade de integrar análise técnica, gestão e visão estratégica no contexto esportivo, contribuindo para o desempenho e evolução de atletas e equipes.

Mylena Baransk

Mylena Baransk é doutora em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também concluiu sua graduação em Educação Física – Bacharelado. Especialista em futsal com foco em análise de desempenho, atuou como docente em cursos do ensino superior e analista de desempenho no futebol.

Atualmente, exerce a função de analista de desempenho no Clube Atlético Mineiro, onde trabalha desde agosto de 2024. Antes disso, desempenhou a mesma função na Associação Ferroviária de Esportes entre março e agosto de 2024, atuando em Araraquara, São Paulo.

Além da atuação em clubes, possui experiência acadêmica como docente, tendo lecionado na UniCesumar entre julho e outubro de 2023, em Curitiba, Paraná. Também foi professora na UNIFATEB, onde atuou por quase três anos, de fevereiro de 2021 a outubro de 2023, em Telêmaco Borba, Paraná.

Com forte presença na área de análise de desempenho no futebol, também é CEO da Statisticsfut, onde se dedica ao desenvolvimento de conteúdos e estratégias voltadas à análise estatística e desempenho esportivo.

Nathália Arnosti

Nathália Arnosti é uma profissional de destaque na área de Fisiologia do Esporte e Preparação Física, com sólida formação acadêmica e ampla experiência no futebol brasileiro.

Bacharel e mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela construiu uma carreira marcada pela integração entre ciência e prática esportiva.

No cenário dos clubes, já contribuiu com equipes como Athletico Paranaense, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Audax, Ferroviária e Ponte Preta. Em janeiro de 2024, assumiu o cargo de fisiologista do Cruzeiro, reforçando seu papel como referência no acompanhamento e otimização do desempenho esportivo.

Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.