Riscos psicossociais para a saúde de profissionais no futebol

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Uma das expressões mais utilizadas para definir o que significa trabalhar no mundo da bola é que “o futebol é cruel”. Quem vive ou sonha em viver do esporte provavelmente já ouviu ou até mesmo disse essas palavras. Dizer que o futebol é “cruel” indica talvez uma dificuldade de expressar o que ele realmente é. Afinal, nem todo sofrimento cabe em palavras.

Desafios de trabalhar no Futebol

Trabalhar no futebol profissional, seja como jogador, treinador ou em outra função, inevitavelmente envolve exposição a uma série de aspectos potencialmente nocivos à saúde integral (física, mental e social). Além de adoecimentos, a interação diária com estressores em diversos níveis podem prejudicar o rendimento e a satisfação no trabalho. Por isso, é fundamental que todos os que trabalham no futebol – ou desejam trabalhar – conheçam um pouco mais sobre os fatores psicossociais de risco com os quais os trabalhadores no futebol precisam lidar.

O que são Fatores Psicossociais de risco no trabalho?

Diariamente, todo trabalhador lida com elementos de sua atividade profissional relacionados com suas capacidades, necessidades, cultura e condições de vida. Essa interação “trabalhador e atividade profissional”, dependendo dos recursos, obstáculos e estressores, pode favorecer ou prejudicar o bem-estar e o seu desempenho.

Assim, alguns exemplos de fatores psicossociais de risco são: o ambiente, o conteúdo e a organização do trabalho, bem como o sistema de gestão, os relacionamentos e os aspectos organizacionais.

Na abordagem ecológica da Psicologia da Saúde Ocupacional, a literatura aponta quatros níveis de interação nos quais os fatores psicossociais de risco podem ser organizados:

  • Contexto externo: aspectos econômicos, legais, ideológicos, políticos e sociodemográficos;
  • Contexto organizacional: estruturas de gestão, políticas de supervisão e métodos de produção;
  • Contexto do trabalho: clima, cultura, tarefas e aspectos relacionais;
  • Fatores individuais: características de personalidade, estratégias de enfrentamento (coping), motivação, especificidades sociodemográficas e interação trabalho-família.

Vale destacar que não é possível descrever o risco de nenhum fator psicossocial sem considerar o trabalhador enquanto indivíduo que vivencia as situações cotidianas no trabalho a partir da sua história, características e experiências de vida.

Vejamos abaixo cada um dos contextos e fatores, e como eles podem afetar a saúde e o desempenho de quem trabalha no Futebol.

Fatores do Contexto Externo no Futebol

Como contexto externo, podemos exemplificar as práticas e deliberações de órgãos regulamentadores, que muitas das vezes são falhos e pode acarretar em práticas não muito benéficas para os profissionais do futebol. Como exemplo, a FIFA, o órgão regulamentador máximo da modalidade, que deveria zelar pelos direitos e bem-estar dos profissionais no futebol.


No entanto, a história da entidade está repleta de falhas técnicas, deslizes éticos e escândalos, mostrando que o dinheiro tende a ser prioridade nas políticas e práticas de governança.


Em paralelo, existe a mercantilização dos atletas, que é outro fator no contexto externo. O mercado de transferências de jogadores cresce a cada ano, onde atletas são considerados ativos que valorizam e desvalorizam em um curto período de tempo. E neste cenário, construir e sustentar uma autoestima saudável e equilibrada é um enorme desafio.


Além disso, o interesse econômico também faz do futebol o esporte mais midiático. Futebol e mídia formam uma relação de interdependência. E embora haja uma vantagem significativa na promoção em massa gerada diariamente pelos canais de comunicação, também há o perigo das exposições negativas difíceis de gerenciar.

Fatores do Contexto Organizacional no Futebol

Na organização do futebol, ainda persistem práticas de gestão e liderança características do século XIX, que foram aplicadas aos primeiros trabalhadores industriais. Multas por atraso, regras arbitrárias, ausência de limites de autoridade, uso de violência física e verbal e sobrecarga de exercícios e tarefas como punição. Práticas essas que podem inclusive ser encontradas em diferentes setores do esporte. Este autoritarismo pode levar a ocorrência de comportamentos ofensivos e abusivos por parte de treinadores e supervisores, colocando em risco a saúde dos profissionais e prejudicando a entrega do melhor desempenho a médio e longo prazo.

Fatores do Contexto do Trabalho no Futebol

No contexto do trabalho no futebol, muitas práticas de comando ou liderança podem ser prejudiciais. Como exemplo, há treinadores de futebol que insistem em utilizar estratégias coercitivas de controle, como intimidação e medo, criando um clima hostil nos treinamentos e jogos. Sem sensibilidade nem consideração pelos sentimentos e necessidades dos atletas, esses treinadores reproduzem comportamentos de dominação conforme suas preferências. Assim, recusam conhecimentos científicos e outros conhecimentos para boas práticas de liderança.

Dessa forma, a contínua pressão por resultados e a alta competitividade dentro das próprias equipes tornam o futebol um “campo de batalha” em que se luta para sobreviver. Perder a titularidade no time ou ser demitido, são preocupações frequentes para os profissionais, provocando desgastes físicos e psicológicos diários que, além de interferir no rendimento, impedem o bom exercício de outros papéis sociais, como o de marido/pai ou de esposa/mãe.

Fatores Individuais no Futebol

Historicamente, as mulheres enfrentam maiores obstáculos e dificuldades para iniciar e permanecer no futebol. Preconceitos, desigualdades e diversas barreiras sociais são estressores específicos para as mulheres que desejam trabalhar nesta modalidade.

Infelizmente, em sua maioria, o futebol ainda é incentivado para os meninos, controlado por homens e promovido massivamente para o público masculino. As mulheres ainda enfrentam essa barreira que é um dos fatores estressores individuais para trabalhar no futebol.

Carreira no futebol como escolha consciente

Claro que existem os benefícios e prazeres em trabalhar no futebol. E por isso, a escolha por iniciar uma carreira no futebol deve ser mais consciente se o profissional conseguir se antecipar às dificuldades, aos desafios e às situações problemas que poderá enfrentar adiante.

Da mesma forma que é indispensável conhecer o adversário do próximo jogo, a compreensão dos riscos psicossociais do futebol é essencial para um bom desenvolvimento de carreira.

Portanto, o esforço em prol da melhoria do futebol em todos os níveis deve incluir o entendimento, a correção e a prevenção dos fatores psicossociais de risco. Padrões tradicionais de gestão e liderança precisam ser convertidos em práticas humanizadoras, que possam atrair bons profissionais ao mundo da bola ao invés de repeli-los.

Para saber mais, clique aqui e acesse o artigo sobre o assunto.

Autor:  Victor Butzloff

Contato: victor.abreu@unesp.br

Referências

BUTZLOFF, V. H. A. fatores psicossociais de risco para a saúde ocupacional no futebol profissional. 2022. 36 p. Monografia (Especialização em Psicologia do Exercício e do Esporte). Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2022.

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João Bonfatti

João Bonfatti atualmente trabalha como Coordenador do setor de Análise de Desempenho no América-MG. Antes disso, teve passagens pelo Vasco da Gama, onde atuou em diferentes categorias: foi auxiliar técnico do Sub-20, treinador interino do Sub-17 e auxiliar técnico do Sub-17.

Atuou também pelo Atlético-MG, onde desempenhou o papel de auxiliar técnico do Sub-15. No Corinthians, auxiliar técnico do Sub-14, além de exercer a função de supervisor metodológico.

Sua formação inclui o Bacharelado em Futebol pela Universidade Federal de Viçosa e a Licença B da CBF Academy, o que reforça sua base teórica e prática no desenvolvimento de atletas.

Felipe Bonholi

Felipe Bonholi integra a equipe do Palmeiras como Analista de Desempenho no Centro de Formação de Atletas (CFA), contribuindo para o desenvolvimento e acompanhamento de jovens talentos.

Antes disso, acumulou cinco anos de experiência na Ferroviária, onde atuou como Analista de Desempenho da equipe profissional, e no São Carlos Futebol Clube na mesma função.

Sua formação acadêmica inclui Bacharelado em Administração de Empresas pela UNIARA (2014–2017) e graduação em andamento em Educação Física pela mesma instituição, iniciada em 2019.

Com sólida base teórica e ampla experiência prática, Felipe Bonholi se destaca por sua capacidade de integrar análise técnica, gestão e visão estratégica no contexto esportivo, contribuindo para o desempenho e evolução de atletas e equipes.

Mylena Baransk

Mylena Baransk é doutora em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde também concluiu sua graduação em Educação Física – Bacharelado. Especialista em futsal com foco em análise de desempenho, atuou como docente em cursos do ensino superior e analista de desempenho no futebol.

Atualmente, exerce a função de analista de desempenho no Clube Atlético Mineiro, onde trabalha desde agosto de 2024. Antes disso, desempenhou a mesma função na Associação Ferroviária de Esportes entre março e agosto de 2024, atuando em Araraquara, São Paulo.

Além da atuação em clubes, possui experiência acadêmica como docente, tendo lecionado na UniCesumar entre julho e outubro de 2023, em Curitiba, Paraná. Também foi professora na UNIFATEB, onde atuou por quase três anos, de fevereiro de 2021 a outubro de 2023, em Telêmaco Borba, Paraná.

Com forte presença na área de análise de desempenho no futebol, também é CEO da Statisticsfut, onde se dedica ao desenvolvimento de conteúdos e estratégias voltadas à análise estatística e desempenho esportivo.

Nathália Arnosti

Nathália Arnosti é uma profissional de destaque na área de Fisiologia do Esporte e Preparação Física, com sólida formação acadêmica e ampla experiência no futebol brasileiro.

Bacharel e mestre em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba e doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela construiu uma carreira marcada pela integração entre ciência e prática esportiva.

No cenário dos clubes, já contribuiu com equipes como Athletico Paranaense, Red Bull Bragantino, Palmeiras, Audax, Ferroviária e Ponte Preta. Em janeiro de 2024, assumiu o cargo de fisiologista do Cruzeiro, reforçando seu papel como referência no acompanhamento e otimização do desempenho esportivo.

Rodrigo Aquino

Rodrigo Aquino é professor na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua no Departamento de Desportos e como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado).

É líder do Grupo de Estudos Pesquisa em Ciências no Futebol (GECIF/UFES) e coordenador do Programa Academia e Futebol (Núcleo UFES), financiado pelo Ministério do Esporte. Seu trabalho envolve a coordenação de projetos técnico-científicos em parceria com categorias de base e equipes profissionais de futebol no Brasil.

Rodrigo é graduado em Educação Física e Esporte pela USP, com especialização em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto. Concluiu o mestrado e doutorado em Ciências também pela USP. Acumula experiência prática no futebol desde 2015 como fisiologista e preparador físico em clubes profissionais, além de atuar como treinador e coordenador técnico em categorias de base. Reconhecido academicamente, está entre os 10 cientistas do esporte mais produtivos da América Latina em publicações científicas relacionadas ao futebol.

Neto Pereira

Neto Pereira é um profissional de preparação física e performance esportiva com experiência em clubes do Brasil e do exterior. Atualmente é Preparador Físico no sub-20 do Vasco da Gama.

Trabalhou como Head Performance and Fitness Coach no FC Semey do Cazaquistão (2024). Foi Preparador Físico no Confiança (2023-2024) e Head of Performance and Health no Avaí (2022-2023). Também exerceu o cargo de Coordenador de Performance no Confiança (2022) e trabalhou como Fisiologista no CRB (2021-2022) e no próprio Confiança (2019-2021).

Possui Mestrado em Saúde e Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe e Especialização em Desempenho Humano pela Universidade Tiradentes (Unit). Suas principais competências incluem preparação física, análise de desempenho, força, potência e velocidade no esporte.

Rafael Grazioli

Rafael Grazioli, natural de Canoas (RS), é formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também concluiu mestrado e doutorado em Ciências do Movimento Humano.

Com nove anos de experiência atuando como coordenador científico e fisiologista no futebol profissional, ele passou as últimas três temporadas no Guarani de Campinas (SP) antes de ser anunciado pelo Criciúma em janeiro de 2025.