O debate entre gramado sintético e gramado natural no futebol é antigo e envolve questões que vão desde o desempenho dos jogadores até o risco de lesões. Recentes estudos científicos têm trazido novas perspectivas sobre o tema, ajudando a esclarecer algumas das principais dúvidas que cercam essa polêmica.
Vamos explorar o que a ciência tem a dizer sobre os dois tipos de superfície e como isso impacta o jogo e a saúde dos atletas.
O risco de lesões: sintético é mais perigoso?
Uma das principais preocupações em relação ao gramado sintético é o risco de lesões, especialmente as relacionadas ao ligamento cruzado anterior (LCA), que são comuns no futebol.
Um estudo publicado no Orthopaedic Journal of Sports Medicine em 2022, analisou o risco de lesões no LCA em atletas de futebol e descobriu que as jogadoras no futebol feminino têm um risco significativamente maior de sofrer lesões no LCA em gramados sintéticos em comparação com gramados naturais durante partidas. No entanto, para os homens, não houve diferença significativa no risco de lesões entre os dois tipos de superfície.
Por outro lado, uma meta-análise publicada na Clinical Medicine em 2023, revelou que, de maneira geral, a incidência de lesões no futebol é menor em gramados sintéticos do que em gramados naturais. Esse estudo, que analisou 22 pesquisas anteriores, mostrou que tanto homens quanto mulheres têm menos lesões em gramados sintéticos, especialmente lesões na região da pelve/coxa e nos joelhos.
Além disso, jogadores profissionais apresentaram uma incidência menor de lesões em gramados sintéticos, enquanto amadores não mostraram diferença significativa.
A percepção dos jogadores: sintético é mais duro?
Apesar dos dados científicos, a percepção dos jogadores sobre o gramado sintético ainda é bastante negativa. Um estudo publicado no BMC Sports Science, Medicine and Rehabilitation em 2014, entrevistou 99 jogadores profissionais da Major League Soccer (MLS) e descobriu que 94% deles acreditam que o risco de lesão é maior em gramados sintéticos. Os jogadores citaram três fatores principais: maior rigidez da superfície, maior atrito e maior custo metabólico (ou seja, mais desgaste físico) ao jogar em gramados sintéticos.
Essa percepção pode ser influenciada por experiências passadas com gramados sintéticos de gerações anteriores, que eram mais rígidos e menos seguros. No entanto, os gramados sintéticos de terceira geração, que são os mais utilizados atualmente, foram projetados para imitar mais de perto as características do gramado natural, com melhor absorção de impacto e maior conforto para os jogadores.
O que a FIFA diz sobre gramados sintéticos?
A FIFA reafirmou sua posição sobre o uso de gramados sintéticos no futebol, destacando a importância de seguir padrões de qualidade rigorosos para garantir condições de jogo seguras e similares às do gramado natural. Por meio do FIFA Quality Programme for Football Turf (Programa de Qualidade da FIFA para Gramados de Futebol), a entidade estabelece requisitos que devem ser atendidos para que esses campos sejam utilizados em competições oficiais.
O uso de gramados sintéticos tem se tornado uma alternativa viável em regiões onde as condições climáticas ou a falta de recursos dificultam a manutenção da grama natural. No entanto, para que sejam homologados, esses campos precisam atender a uma série de critérios técnicos que garantem a segurança dos jogadores e a qualidade da superfície de jogo.
Quais os tipos de Gramados no Futebol?
A FIFA classifica os gramados utilizados no futebol em três categorias principais:
1. Gramado Natural
O gramado natural é considerado a superfície ideal para a prática do futebol, proporcionando condições de jogo tradicionais e um impacto reduzido nas articulações dos atletas. No entanto, sua manutenção exige alto custo, uso intensivo de água e condições climáticas favoráveis para garantir sua durabilidade e qualidade.
2. Gramado Híbrido
O gramado híbrido combina grama natural com fibras sintéticas, aumentando a resistência do solo e melhorando a estabilidade da superfície. Essa tecnologia tem sido adotada por clubes e estádios ao redor do mundo por oferecer um equilíbrio entre a jogabilidade do gramado natural e a durabilidade dos materiais sintéticos. Os gramados híbridos devem passar por testes rigorosos da FIFA para garantir que sua composição não comprometa a segurança dos jogadores.
3. Gramado Sintético
Os gramados sintéticos são uma alternativa viável para locais onde o clima ou os recursos impedem a manutenção de gramados naturais de qualidade. Esses campos utilizam sistemas avançados de fibras sintéticas e materiais de preenchimento que buscam simular as características do gramado natural. A FIFA classifica os gramados sintéticos de acordo com sua composição:
- Sistemas com Infill Polimérico: utilizam materiais sintéticos não biodegradáveis para preenchimento, proporcionando absorção de impacto e controle da bola.
- Sistemas com Infill Biodegradável: compostos por materiais que se degradam naturalmente, como polímeros biodegradáveis.
- Sistemas com Infill Vegetal: utilizam materiais orgânicos não modificados quimicamente, sendo uma opção sustentável.
- Sistemas com Infill Mineral: preenchidos com materiais minerais sólidos, garantindo alta durabilidade.
- Sistemas Não Preenchidos (Non-filled): sem material de preenchimento.
Desempenho e tração: qual superfície é melhor?
Outro aspecto importante é o desempenho dos jogadores em diferentes superfícies. Um estudo publicado na Footwear Science em 2022, analisou a tração rotacional (a força necessária para girar o pé no solo) em gramados sintéticos e naturais. Os pesquisadores descobriram que, embora haja variações na tração entre diferentes modelos de chuteiras, não houve diferença significativa na tração rotacional entre gramados sintéticos e naturais. Isso sugere que, em termos de desempenho, os dois tipos de superfície podem ser equivalentes, desde que os jogadores usem o calçado adequado.
Conclusão: Sintético ou Natural?
Os estudos recentes indicam que o gramado sintético não é necessariamente mais perigoso do que o gramado natural. Na verdade, em muitos casos, ele pode até ser mais seguro, especialmente para jogadores profissionais. No entanto, a percepção negativa dos atletas em relação ao sintético ainda persiste, o que pode influenciar a preferência por gramados naturais.
Para os clubes e federações, a escolha entre sintético e natural deve levar em consideração fatores como clima, custos de manutenção e a disponibilidade de recursos. Em regiões com invernos rigorosos ou onde o gramado natural é difícil de manter, o sintético pode ser uma opção viável e segura.
Enquanto a ciência continua a evoluir, uma coisa é clara: a qualidade do gramado, seja ele sintético ou natural, é crucial para a segurança e o desempenho dos jogadores. Investir em superfícies de alta qualidade e garantir a manutenção adequada pode ser a chave para reduzir lesões e melhorar a experiência dos atletas em campo.
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