Desafios da preparação física nas categorias de base

Por: Reginaldo Amstalden Junior

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Foto de Soccer Blur na Unsplash

O assunto agora são os desafios da preparação física nas categorias de base. Formar e revelar grandes atletas sempre foi característica do futebol brasileiro. Contudo, nos últimos anos, acerca de críticas e maus resultados, o nosso cenário formador passou por uma grande revolução. Mas, será que por aqui estávamos formando os atletas ou apenas dando a oportunidade dos mesmos mostrarem o seu talento? Será que trabalhávamos para melhor preparar e desenvolver o jovem atleta ou deixávamos essa função a carga do ambiente? Entretanto, poderíamos melhorar este cenário?

Formar x revelar

A princípio é necessário conceituar dois termos distintos: formar e revelar. Formar um atleta significa desenvolvê-lo como tal, em todas as suas vertentes. Revelar, por sua vez, é o ato de lançar o jovem atleta na equipe profissional, dar a ele a oportunidade de jogar no alto nível.

Assim, junto a esses questionamentos iniciais, a evolução do futebol como um todo serviu de companhia para uma mudança de pensamento a respeito das categorias de base por aqui. Logo, desenvolver o jovem indivíduo em sua totalidade passou a ser o foco. Desse modo, a ideia é identificar talentos e prepará-los taticamente, tecnicamente, fisicamente, emocionalmente e socialmente através de um conteúdo pedagógico bem desenvolvido.

Preparação física na base

Além disso, são muitos os tópicos e procedimentos que fazem parte do processo de formação do atleta. No presente artigo, teremos como foco a preparação física. Primeiramente, é necessário ter fixa a ideia de que cada jovem atleta é um individuo diferente (princípio da individualidade biológica).

Em outras palavras, frente a esse conceito básico, é de extrema importância que a preparação física nas categorias de base respeite o nível de maturação de cada atleta. Para isso, devemos considerar o efeito da idade biológica: o grau de maturação do jovem pode não ter ligação com sua idade cronológica (anos). Deste modo, dois jovens atletas podem possuir a mesma idade, mas níveis de desenvolvimento corporal (massa muscular, estrutura óssea e articular, estatura…) totalmente distintos. Resumidamente, a maturação biológica representa todo o processo que o corpo humano e suas estruturas passam para chegar à fase adulta. Portanto, esse é o primeiro passo para sermos mais assertivos em programas de preparação física nas categorias de base.

Sobretudo a puberdade é um ocorrido determinante nessa fase. É ela que vai determinar o grau de maturação e consequentemente o que o atleta necessita em relação a treinamento para o seu desenvolvimento. Assim, podemos dividir os atletas em pré-púberes, púberes ou pós-púberes. Para isso, podemos submetê-los á avaliações clínicas ou somáticas (cálculo do Pico de Velocidade de crescimento-PVC) através da massa corporal, estatura, comprimento tronco-encefálico, comprimento dos membros inferiores e idade cronológica.

Etapas de formação na base

Da mesma forma, nas categorias de base, o jovem atleta deve passar por algumas etapas distintas, cada qual com seu objetivo específico. A primeira etapa é a iniciação esportiva (6 a 10 anos), a segunda é a especialização (11 a 15 anos), e por fim o rendimento (16 a 20 anos). Lembrando que nem sempre a idade cronológica equivale à idade biológica; a segunda deve ser considerada.

Certamente, na iniciação o foco é o contato com o esporte (não somente o futebol). São componentes muito importantes como se movimentar de maneiras distintas, bem como expor a criança a estímulos que desafiem o seu corpo. O objetivo é a construção de um amplo repertório motor. Correr, pular, saltar, rastejar, agachar, puxar, chutar, aterrissar, lançar, apanhar… a criança precisa se movimentar de maneira global. Dessa forma, ela irá adquirir uma base sólida de habilidades motoras gerais que servirão de suporte neuromotor nas habilidades especificas do futebol que serão exigidas nas próximas etapas.

Enquanto que na especialização, o foco passa a ser o futebol e suas respectivas habilidades motoras.  A ênfase está agora no que é especifico, tanto em questão de habilidade motora quanto capacidade física.

Por fim, no rendimento, a regra de ação é potencializar gradualmente tudo que o jovem atleta construiu até ali. A aprendizagem vai saindo de cena e o rendimento começa a tomar conta do processo.

Meios e métodos

Como vimos, existem etapas e indivíduos diferentes. Afinal, o método das “janelas de oportunidade” ou “períodos sensíveis” tem se mostrado o mais usual quando o falamos em preparação física nas categorias de base.  Tal metodologia propõe qual capacidade física está mais sensível ao treinamento para cada fase do desenvolvimento infantil. Recomendo a leitura do livro “Long-Term Athlete Development” para maior aprofundamento.

Em contrapartida, essa abordagem passou a ser questionada nos últimos anos. Pesquisadores holandeses contestaram tais ideias em um artigo interessante publicado este ano. Segundo o estudo, os períodos sensíveis devem enfatizar habilidades motoras e não capacidades físicas. Reportam que, cada movimento realizado para determinado esporte necessita da integração de diferentes capacidades físicas e não destas isoladas.

Outro conceito contestado pelo estudo é que não existem evidências de que um atleta não chegará ao ápice do rendimento se não trabalhar cada capacidade física no seu hipotético período sensível. Portanto, ter em mente ambos os conceitos é essencial para a elaboração de um programa de preparação física na base que vá de encontro à sua realidade.

Treinamento de força na base

Certamente, parece-nos que aqui está o ponto de diferenciação. A força é a capacidade física que rege as ações determinantes do futebol e seus benéficos para performance e redução do índice de lesões.

Se a considerarmos de maneira simplista, ela depende de hormônios que o corpo só começa a produzir pós puberdade. Afirmação esta que não deixa de estar correta. Contudo, estímulos neurais também integram essa capacidade física e possuem seu alto grau de importância.

Pensando dessa forma, podemos introduzir o trabalho de força já nos primeiros anos de especialização. Coordenação intra e inter muscular e força de estabilização são componentes treináveis nessa fase. Já força máxima, resistência de força e potência necessitam de componentes endócrinos e devem ser treinados pós puberdade. Em suma, o trabalho da força deve ser constante durante todo o processo de preparação física nas categorias de base.

Desafio para a preparação física na base

Resumidamente, ensinar e potencializar gradualmente. Esse é o ponto chave da preparação física nas categorias de base. Saber respeitar os limites do jovem atleta e individualizar o trabalho é o grande desafio. Integrá-lo ao desenvolvimento tático, técnico, psicológico e social também. Nessa perspectiva, muitos clubes passaram a enxergar as categorias de base como investimento e não custo. O trabalho com os garotos precisa ser de excelência e os cuidados devem ser até maiores do que com os atletas profissionais. No Brasil demos os primeiros passos, mas ainda temos muito a percorrer. Seguimos na construção de uma categoria de base forte, formadora e que respeite as raízes brasileiras, esse é o caminho.

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Confira um episódio do Podcast Ciência da Bola que fala sobre o assunto:

Contato do autor: ra.junior@hotmail.com

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