No mundo competitivo do futebol, a busca pela excelência vai além do treinamento físico e tático. Cada vez mais, clubes de ponta estão incorporando a neurociência em suas estratégias para maximizar o desempenho dos atletas e promover sua recuperação.
E para entender melhor como clubes de Futebol vêm implementando os recursos das neurociências, convidamos Luciane Moscaleski, neurocientista do Palmeiras, para uma conversa exclusiva sobre o papel da neurociência no futebol profissional. Luciane é graduada em Educação Física Licenciatura e Bacharelado na USCS e ex-atleta Profissional de Basquetebol. Atualmente, é Neurocientista da Sociedade Esportiva Palmeiras no futebol profissional; Doutoranda em Neurociência e Cognição no Centro de Matemática, Cognição e Computação da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Pesquisadora do NeuroSports Lab na USP.
Esta entrevista aconteceu em nosso canal do Youtube e destacou o impacto da neurociência no futebol profissional, mostrando como técnicas avançadas estão sendo utilizadas para maximizar o desempenho dos atletas.
O trabalho como neurocientista no futebol
Luciane Moscaleski: Minha jornada na neurociência começou com questionamentos durante minha época de atleta e, posteriormente, nos meus estudos em Educação Física. À medida que avancei na carreira acadêmica, aprofundei-me no campo da neurociência, especialmente durante meu doutorado na Universidade Federal do ABC, em parceria com a EEFE-USP (NeuroSports_Lab, nosso laboratório de pesquisa) e o Instituto Internacional de Neurociências (ISD). Com o apoio dos professores Dr. Alexandre Okano, Dr. Alexandre Moreira e Dr. Edgard Morya, contribuí para projetos importantes que me levaram ao Palmeiras, um clube pioneiro que se empenha em inovar a cada temporada.
E como exatamente a neurociência se aplica ao futebol?
A neurociência oferece uma compreensão mais profunda do funcionamento do cérebro humano e como ele influencia o desempenho físico e mental dos atletas. No Palmeiras, utilizamos técnicas como a estimulação transcraniana para auxiliar na recuperação pós-jogo dos jogadores. Essa técnica envolve a aplicação de pequenos estímulos elétricos no cérebro para facilitar a atividade neuronal e acelerar a recuperação.
Temos um protocolo validado e estabelecido que inclui sessões de estimulação transcraniana após jogos e treinos. Acompanhamos de perto os atletas para avaliar os efeitos e ajustar conforme necessário. Além disso, trabalhamos em conjunto com outras áreas do Núcleo de Saúde e Performance (NSP), como a área médica, fisiologia, nutrição e psicologia, para garantir uma abordagem holística e transdisciplinar. Essa é uma cultura da qual não abrimos mão. Assim como uma equipe de futebol não joga sozinha, o coordenador científico Daniel Gonçalves valoriza a inovação e defende sempre a colaboração.
O que os estudo vem mostrando?
Nossos estudos mostraram benefícios significativos, incluindo uma recuperação mais rápida do dano muscular e uma melhoria geral no estado físico e mental dos atletas. Isso se traduz em um desempenho mais consistente ao longo da temporada.
Acredito que estamos apenas arranhando a superfície do que a neurociência pode oferecer ao esporte. À medida que continuamos a entender melhor o cérebro humano e suas interações com o corpo e o ambiente, teremos ainda mais oportunidades de otimizar o desempenho atlético e promover o bem-estar dos atletas.
Quais as regiões do cérebro são estimuladas e como é feita essa seleção por atleta?
A escolha das regiões do cérebro a serem estimuladas é uma etapa essencial, que requer precisão e cuidado, e é baseada em vários fatores. Primeiramente, consideramos os objetivos específicos do treinamento ou intervenção. Por exemplo, se desejamos melhorar a recuperação pós-jogo, focamos em áreas relacionadas à recuperação, que podem ajudar na regulação do sono ou redução da fadiga. Também levamos em consideração as características individuais de cada atleta e adaptamos a estimulação de acordo com o objetivo. Isso pode envolver desde medições da cabeça para posicionar corretamente os eletrodos até avaliações mais detalhadas da atividade cerebral prévia do atleta. O objetivo é personalizar ao máximo a intervenção para obter os melhores resultados.
Como lidar com a fadiga mental dos atletas?
Esse ano estamos focados em monitorar esse processo. Sabemos que ao final do ano há um aumento na fadiga mental e social entre os atletas, o que é algo que acompanhamos de perto. Em relação às condutas específicas, ainda estamos desenvolvendo nossas estratégias. No entanto, é possível utilizar ferramentas como a eletroencefalografia para medir a atividade cerebral pós-jogo e até mesmo intervenções como a estimulação cerebral por corrente contínua para lidar com a fadiga mental. Estamos monitorando todas as sessões pós-jogo e buscando desenvolver protocolos eficazes ao longo do tempo.
Óculos de realidade virtual ou realidade aumentada para o treinamento dos atletas
Atualmente, não estamos utilizando esses recursos de forma ampla no futebol profissional. Sabemos que alguns clubes, como o Palmeiras, têm explorado essa tecnologia, principalmente com as categorias de base. No entanto, ainda não implementamos essas práticas em nosso clube. É uma área que estamos considerando para o futuro, pois reconhecemos o potencial dessas ferramentas para o desenvolvimento técnico e tático dos atletas.
A visualização guiada pode ter esse poder de influenciar o cérebro dos atletas. Quando praticamos exercícios de visualização, estamos ativando regiões cerebrais relevantes para a execução das ações desejadas. Por exemplo, se um atleta imagina que está realizando determinado movimento ou tomada de decisão durante uma partida, ele está estimulando áreas específicas do cérebro associadas a essas ações. Isso pode ajudar na automatização desses processos e na melhoria do desempenho durante os jogos, ou seja, estamos trabalhando a rede neuronal responsável por determinada tomada de decisão.